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24 jul 2020

Digitalização também é saída para o setor da moda

Muitas vezes usada de forma pejorativa ou tida como um termo desgastado, o certo é que a moda é a expressão de uma época e é capaz de contar a história da humanidade. Utilitária, glamourosa, étnica ou pasteurizada, ela se mostra, inclusive, através de quem a renega e, sem dúvida, continuará sendo capaz de revelar, ao menos em parte, os sentimentos, contradições e amores da era pós-Covid-19.

Sobre a economia, a longa cadeia produtiva tem um impacto gigantesco, principalmente por fazer um uso intensivo da mão de obra. Só no Brasil são, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), 1,5 milhão de empregados diretos e 8 milhões se adicionarmos os indiretos e efeito renda, dos quais 75% são de mão de obra feminina.

O setor é o segundo maior empregador da indústria de transformação, perdendo apenas para alimentos e bebidas (juntos), e o segundo maior gerador do primeiro emprego. Os dados de dezembro de 2019 ainda informam que são 25,2 mil empresas formais em todo o País.

Só pela magnitude desses números já fica impossível pensar em um “novo normal” da economia sem levar em conta o setor da moda. Solução apontada por boa parte dos setores, a digitalização do negócio também faz parte do ideário da cadeia produtiva.

Mas como falar em inovação para milhares de pequenas e microempresas sem acesso ao crédito e que mal sobreviverão à crise? O associativismo, tão bem vivenciado pelos arranjos produtivos locais (APLs), seria a saída para outras localidades? No “novo normal” a concorrência com os asiáticos e seu poder de escala continuará sendo a maior dor de cabeça dos produtores nacionais? E o consumidor estará disposto a pagar por tudo isso?

As perguntas são muitas, mas o certo é que no futuro pós-pandemia todos vamos continuar querendo sair às ruas bonitos e elegantes, cada um à sua forma, a sua moda, ao seu novo normal.

É PRECISO APOSTAR EM UMA RUPTURA DE MENTALIDADE, DIZ BERNARDES
A longa cadeia produtiva da moda, que tem segmentos tão diferentes entre si, como as joias e roupas de dormir, bijuterias e alta-costura, sem falar de sapatos e acessórios, também sentiu o baque com a crise causada pelo Covid-19 e, especialmente, com o fechamento do varejo físico.

A saída mais óbvia era a digitalização das operações e o fortalecimento da comunicação direta com o consumidor através das redes sociais.
Para o presidente da Câmara da Indústria da Moda da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Manoel Bernardes, a pandemia jogou luz sobre as dificuldades que já existiam e acelerou a busca de soluções.

Para vencer a fase mais aguda da crise e estar preparado para enfrentar um “novo normal”, com concentração de mercado e consumidores mais críticos, segundo ele, é preciso apostar não apenas em tecnologia, mas em uma ruptura de mentalidade.

“Não basta fazer uma inovação incremental, precisamos ser disruptivos. Somos uma cadeia longa e o impacto foi gigantesco porque se o comércio não vende, a indústria não tem porque produzir. Nesse sentido, a pandemia veio a agravar dificuldades pré-existentes como as questões de competitividade, automação, internacionalização e preços em relação aos países asiáticos, por exemplo. Precisamos reduzir custos, aumentar a produtividade, entrar em uma economia de escala e buscar os diferenciais de qualidade e estilo, que são atributos fundamentais para consolidação das marcas”, explica Bernardes.

A repatriação de operações que se mudaram para a China nos últimos anos é vista como uma possibilidade não tão provável por depender de muitos fatores. Se de um lado o mundo percebeu que não é estratégico concentrar toda a produção em uma só região, os custos de produção no Brasil continuam muito altos e os produtos asiáticos continuarão pressionando o mercado.

“No caso da China quem parou foi a província de Wuhan. A China não sofreu tanto como outros mercados, então continua competitiva. Vejo a necessidade de conscientização da população brasileira que, se continuar consumindo apenas produtos importados, vai continuar exportando empregos. É preciso que a gente consuma localmente, evitando custos logísticos. Precisamos de políticas pública para atrair as empresas de volta para o nosso território. Também uma política tributária mais inteligente. Criar uma dinâmica mais ágil de empregos”, afirma o presidente da Câmara da Indústria da Moda da Fiemg.

Associativismo – O associativismo é apontado com um dos atalhos para a redução de custos e fortalecimento das cadeias locais. De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria de Calçados de Minas Gerais (Sindicalçados), Luiz Raul Barcelos, a pandemia criou um diálogo maior entre os concorrentes.

“É hora de enxergarmos que muitos problemas são iguais e que a solução em conjunto é mais eficiente. Vai sair muita gente machucada da crise, mas com muito aprendizado e maior eficiência. A digitalização foi acelerada um pouco pelo Covid-19, o modelo de feiras já está sendo repensado. O grande problema é que vamos precisar de ajuda. O fim da desoneração da folha pode prejudicar muito a indústria, causar demissões”, pontua Barcelos.

A lição do associativismo já foi aprendida há tempos pela cidade da lingerie: Juruaia. Encravado nas famosas montanhas cafeeiras do Sul de Minas, o pequeno município com pouco mais de 10 mil habitantes, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conseguiu segurar os resultados e os empregos.

Segundo o presidente da Associação Comercial e Industrial de Juruaia (Aciju), José Antonio da Silva, mesmo sem a cidade receber desde meados de março, sequer, um ônibus ou van de compradores, as pequenas empresas conseguiram sobreviver justamente pela sua estrutura familiar e bom uso das redes sociais.

“Os arranjos produtivos terão uma grande parcela de contribuição na retomada da economia, especialmente com a geração de empregos. Agora temos que reforçar a importância do produto nacional e mineiro. As empresas familiares já viviam isoladas em seus núcleos naturalmente. As empresas maiores, que têm colaboradores de fora, estão fechadas, com as vendedoras trabalhando de casa, e só o setor de expedição funcionando nas empresas. Apesar de ouvirmos que a moda não é essencial, tivemos uma boa surpresa com os resultados. O Dia dos Namorados continuou sendo uma boa data de vendas. Com as pessoas em casa, no segmento de pijamas algumas marcas tiveram crescimento de até 50% em relação ao ano passado. A Felinju On-line (Feira de Lingerie de Juruaia, que aconteceu na primeira semana de junho) também foi determinante”, relembra Silva.

A Fest Lingerie, evento de lançamento da coleção inverno, previsto para setembro, também deve ser realizado apenas na versão on-line. A previsão da Aciju é voltar como as feiras presenciais apenas em 2021.

Para a consultora especialista em capacitação de pessoas e gestão de negócios com foco no varejo e atacado de moda, Morgana Linhares, estabelecer uma conversa franca com o consumidor é a única maneira de se manter relevante no “novo normal” que se anuncia mais consciente quanto ao uso do dinheiro e o propósito das marcas.

“As empresas precisam estar em todos os pontos de contato com o cliente porque não sabemos em qual momento e canal o consumidor vai fechar o negócio. Acabou o tempo que eu criava desejo no consumidor falando o que era tendência para ele. Hoje, o consumidor quer ter respeitado o seu gosto e desejo. Isso é o que chamamos de experiência e, nem reduzindo o preço, o consumidor abre mão da sua opinião. Hoje temos visto as indústrias indo para o varejo porque elas não querem o gap de não conversar com o cliente. Só vamos conseguir melhorar a experiência do cliente quando tivermos cultura de dados, quando a empresa não negligenciar o pós-venda. Indústria e varejo têm que andar de mãos dadas”, avalia Morgana Linhares.

INTERNACIONALIZAÇÃO AINDA É GAP
É verdade que as proporções continentais do Brasil fazem do nosso mercado doméstico objeto de desejo de qualquer player minimamente competitivo do mundo, independentemente do setor. Costuma-se dizer que quem consegue atender todo o Brasil já faz uma proeza e isso vale também para indústria da moda.

O caos econômico desencadeado pela pandemia, porém, mostrou mais uma vez que “colocar todos os ovos na mesma cesta” pode não ser uma boa estratégia e que a internacionalização dos negócios é uma estratégia importante para o enfrentamento de qualquer crise.

O webinar “Exportação e Panoramas Setoriais – Indústria da Moda”, que faz parte da série “Exportação e Panoramas setoriais”, realizado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), com o apoio da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), se propôs a discutir os temas: influência da pandemia para as micro e pequenas empresas do setor têxtil; como impulsionar as exportações; principais mercados para produtos brasileiros e como se tornar competitivo nesses mercados.

Para o presidente emérito do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Rafael Cervone, a oportunidade de exportar é para todos, basta que o pequeno negócio se organize e tenha foco nas exportações.

“Somos um dos poucos países que detém conhecimento em todos os segmentos e essa é uma grande vantagem. O setor exporta pouco porque tem o mercado interno forte e aquecido, mas é um mercado muito desejado por quem está lá fora também. Os preços dos importados estão caindo para tentar ganhar o mercado brasileiro. Por isso a exportação fica mais importante. Exportar é um movimento natural de crescimento.

Devemos exportar para diversificar mercados, diminuir riscos, acabar com o problema da sazonalidade, aumentar a produtividade através de modernização, aumentar a qualidade do produto para se adaptar às exigências dos mercados, além de proteger os negócios contra a variação cambial”, enumerou Cervone.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Estilistas (Abest), Paulo Lourenço Bartholomei, o consumidor do pós-pandemia será mais consciente e vai privilegiar marcas com propósito claro e definido, capazes de entregar itens sustentáveis e atemporais dentro e fora do Brasil.

“A exportação é relativamente simples se você fizer o dever de casa. Um gap é o Brasil não ter tanta visibilidade no mercado internacional. Uma dificuldade é o nosso calendário invertido em relação ao hemisfério norte. Então temos que trabalhar bem as redes sociais e entender quais serão os nossos canais de distribuição. Existem várias maneiras, como feiras, distribuidores, show rooms. Cada país tem a sua característica e é preciso compreendê-las. Sobre o produto, depende da proposta de valor criada para o cliente. São mercados muito abertos em relação ao Brasil e com muito acesso ao Sudeste Asiático, então não temos como competir por preço. O nosso foco diferencial está em duas questões: um produto incrível muito original ou uma imagem de marca incrível”, completou Bartholomei.

FONTE: Diário do Comércio