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26 jan 2021

Qual é o futuro do mercado de luxo?

No começo de março, quando partes da Europa adotaram quarentenas e os estilistas começaram a ficar em pânico, enquanto coleções ficavam presas em depósitos ou eram recusadas pelas lojas de departamentos que as haviam encomendado, analistas alertaram para uma “crise sem precedentes” nos setores de moda e artigos de luxo, que movimentam 2,2 trilhões de libras (R$ 16,3 trilhões) por ano.

Oito meses mais tarde, essa “crise sem precedentes” parece mais um pequeno desvio – especialmente na ponta mais alta do espectro de preços. Embora as vendas de artigos de luxo tenham caído cerca de 20% no ano passado, segundo estimativas do Citigroup e da consultoria Bain, um terceiro trimestre vigoroso e o desenvolvimento rápido de uma vacina vêm levando alguns analistas e executivos a preverem para 2021 um retorno quase total às receitas de 2019.

Esse otimismo é compartilhado pelos investidores: pelo quinto ano consecutivo, as ações do setor de artigos de luxo tiveram um desempenho superior à média – neste ano em cerca de 10% -, segundo observa Thomas Chauvet, diretor de análise de ações do setor de artigos de luxo do Citi.

China, o mercado de artigos de luxo que mais crescia antes da pandemia, se tornará ainda mais mportante para os produtores em 2021
Para isso ajudou a rápida recuperação do Japão e da China, segundo e terceiro maiores mercados de artigos de luxo do mundo em vendas, e a ascensão das “compras por vingança” (a farra de compras motivada pela demanda reprimida durante as restrições à mobilidade) e as vendas de roupas para “reuniões sociais” na China, que estimularam o comércio no segundo trimestre.

Com as lojas fechadas, muitos consumidores recorreram ao comércio eletrônico pela primeira vez – e as marcas afirmam que eles continuarão comprando por esse meio. O consumidor de artigos de luxo nos Estados Unidos também se mostrou surpreendentemente resistente. Com os índices de ações batendo recorde e com a diminuição das oportunidades para gastar em viagens internacionais, restaurantes e spas, os ricos abocanharam bolsas de mãos, joias finas e agasalhos de caxemira.

Executivos do setor de artigos de luxo responderam rápida e habilmente durante as cinco primeiras ondas de contágio da pandemia, segundo Chauvet, reduzindo os orçamentos de marketing e eventos, renegociando aluguéis e, entre as empresas de capital aberto, reduzindo os dividendos que haviam planejado distribuir aos acionistas.

Mas embora as vendas possam retornar aos patamares de 2019, de outras maneiras o setor será muito diferente em 2021. Isso ficará evidente em sua próxima visita a uma loja de departamentos. Antes da pandemia, os ternos estavam reconquistando espaço, substituindo de forma gradual os moletons, calças esportivas e outros designs de roupas casuais nas passarelas e nas araras das lojas.

Um ano trabalhando principalmente em casa mudou tudo isso. Os compradores das lojas de departamentos estão investindo neste ano no “soft tailoring”, roupas sociais que privilegiam o conforto, conforme visto no desfile de coleção primavera-verão 2021 da MaxMara. A coleção primavera-verão masculina 2021 da Prada ofereceu uma oportuna introdução ao “waist-up dressing”, ou roupas caprichadas da cintura para cima, a parte que aparece nas chamadas de vídeo que se tornaram comuns com o trabalho remoto.

“Não retornaremos ao que éramos antes – as roupas continuarão mais casuais por um bom tempo porque nossas vidas se tornaram uma combinação de diversas coisas”, afirma Natalie Kingham, diretora de moda da MatchesFashion.com, uma varejista on-line de artigos de luxo.

Em vez de um terno completo, ela acredita que os clientes irão combinar um blazer com uma camiseta e jeans quando retornarem para o escritório; eles também passarão a procurar peças mais “versáteis” para essa transição. Lydia King, diretora de compra de moda da Harrods, a tradicional loja de departamentos inglesa, diz ter visto “um afastamento sísmico” das roupas de trabalho e roupas de festa em 2020.

Embora ela espere uma “grande recuperação” das roupas para eventos e casamentos em 2021, “é difícil imaginar as pessoas saindo de casa em trajes sociais mais rígidos”. Em vez disso, Lydia vem estocando “roupas leves” como cardigãs e calças com cordões, que podem ser usadas em uma transmissão pelo Zoom e no escritório; peças atemporais como malhas de caxemira de camelo e bolsas que manterão seu valor na revenda; e roupas para festas “alegres e exuberantes” para todas as reuniões que planejamos ter em 2021.

O conforto, que “nunca foi um fator importante quando olhávamos para as nossas compras” nas estações passadas, é agora muito importante para os clientes, afirma ela. Uma coisa que não irá embora neste ano? As logomarcas. “Nas crises anteriores, as logos era inapropriadas”, observa Erwan Rambourg, um analista do setor de artigos de luxo e autor do livro “Future Luxe: What’s Ahead for the Business of Luxury”.

“No momento, mesmo com o desemprego elevado, são os produtos icônicos, reconhecíveis, que estão se saindo melhor na pandemia. Não há um fator culpa – é mais algo do tipo ‘sobrevivi a isso, então acho que eu mereço’”, diz ele.

As semanas de moda também serão um pouco diferentes neste ano. Enquanto marcas como Fendi e Dolce & Gabbana mantiveram desfiles presenciais na semana da moda masculina de Milão que terminou no último dia 19, muitas outras continuam concentradas nas apresentações digitais, sem plateias – pelo menos no primeiro semestre.

Outras marcas transferirão seus desfiles para a China. O país, que antes da pandemia já era o mercado que mais crescia para os artigos de luxo, ficará ainda mais importante em 2021, uma vez que os compradores chineses de artigos de luxo estão viajando menos para fora do país e comprando mais em casa.

A migração das marcas já está acontecendo. A Cartier lançou seu mais recente relógio Pasha na China em julho, dois meses antes do resto do mundo, e a Moncler pretende transferir seu desfile Genius da Semana de Moda de Milão para Xangai em 2021.

Analistas afirmam que as marcas já começaram a discutir a expansão de seus carros-chefes na China e a abertura de mais pontos de venda em cidades menos populosas.

Outras tendências que já vinham ocorrendo antes da pandemia também deverão acelerar neste ano. Na maior, marcas de luxo apoiadas por conglomerados, que já vinham ganhando mercado de concorrentes menores, devem capturar ainda mais participação de em 2021, segundo analistas. Isso tornará as coisas mais difíceis para as casas familiares e independentes, algumas das quais tendem a ser colocadas à venda.

“As grandes marcas terão um desempenho superior quando se recuperarem dessa crise, e provavelmente as empresas pequenas e independentes perceberão que terão de se fundir ou serem vendidas”, prevê Rambourg.

A atividade de fusões e aquisições já está se recuperando: nos últimos dois meses a VF Corp fechou a compra da marca de roupas casuais Supreme por US$ 2 bilhões e a Moncler, fabricante de jaquetas, assumiu uma participação majoritária na concorrente Stone Island.

As coleções também continuarão menores, e mais estilistas optarão por tecidos sustentáveis e com certificação, em resposta às preocupações com o clima. Antes mesmo da covid-19, as coleções estavam encolhendo, com as marcas se afastando dos produtos sazonais e badalados, em direção a itens mais confiáveis e ecológicos.

No mundo do capital de risco, a lucratividade se tornou uma prioridade muito maior para as startups, afirma Nicole Quinn, uma sócia da Lightspeed Ventures, cujos investimentos incluem a Goop da atriz Gwyneth Paltrow e a Haus Laboratories da cantora Lady Gaga, ambas empresas que se tornaram lucrativas em 2020.

Ela estará agora de olho em oportunidades nas áreas de beleza, cuidados com a pele e compras ao vivo por vídeo. Todas receberam um empurrão da pandemia, segundo Nicole.

Ela também prevê um “influxo enorme” de companhias abrindo o capital nos EUA em 2021, depois do forte desempenho de empresas de tecnologia como Airbnb e DoorDash.

Mas nem todo mundo confia numa recuperação em 2021. Pesquisadores da Bain acreditam que as vendas do setor não se recuperarão totalmente antes da metade de 2022 ou 2023, por causa da situação da economia mundial.

FONTE: Valor Econômico