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27 ago 2014

Metade dos principais setores da indústria tem perdas

Levantamento do Iedi mostra que produção caiu em 12 de 23 segmentos nos últimos seis anos

Mesmo com desonerações bilionárias, redução de juros e incentivos ao crédito e ao investimento, mais de metade dos principais setores da indústria ainda não conseguiu se recuperar da crise mundial de 2008. Isso é o que mostra levantamento elaborado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) com exclusividade para o GLOBO. O trabalho analisa o desempenho da produção de 23 setores da indústria nos últimos seis anos. Deste total, 12 apresentaram queda. É o caso da indústria têxtil (-29,6%), de fabricação de produtos de informática, eletrônicos e ópticos (-25,1%) e veículos (-24,3%).

— A produção de vários setores ainda não voltou ao nível pré-crise. É algo muito forte. Isso mostra que houve uma desindustrialização — afirma o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, que participou da elaboração do estudo.

Para Almeida, o resultado ruim é uma combinação de baixa produtividade e concorrência internacional acirrada, especialmente com a China, e desaquecimento da economia global. O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, tem a mesma avaliação e destaca que esses problemas criaram um desânimo generalizado entre os empresários. Para ele, a perspectiva de qualquer melhora ainda está distante:

 — No setor de calçados, houve queda de 7,7% no nível de emprego este ano e os investimentos caíram. Houve uma clara desindustrialização e não há sinal de reversão do quadro a curto prazo.

Klein avalia que o governo agiu corretamente para tentar minimizar os efeitos da crise sobre a indústria, mas ainda deixou a desejar:

— A desoneração da folha de pagamento das empresas, por exemplo, foi boa, mas o Reintegra (que concede créditos tributários aos exportadores) teve problemas — disse.

— Existe uma desindustrialização que aumenta a cada dia — afirma o diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel. — Há um desalento com o quadro atual.

Para Pimentel, os problemas internacionais surgidos com a crise de 2008 se agravaram pelas fragilidades internas do Brasil, como carga tributária alta e complexa e deficiência de infraestrutura. Ele também aponta problemas na política externa:

— Nossas relações internacionais nos deixaram amarrados no Mercosul e fizemos acordos comerciais com países de mercado pequeno.

Os empresários reclamam do aumento nas importações. Para Luiz Fernando D’Aguiar, diretor-executivo da Werner Tecidos, isso prejudicou a indústria nacional.

— A Werner vende tecidos de alta moda. Outras empresas que fabricam tecidos mais baratos sofreram um impacto violento vindo da China porque o volume de produção lá é muito alto e barato, apesar de a qualidade não ser tão boa. Não tem como a indústria brasileira competir com a chinesa — afirma.

Sandra Oliveira, uma das sócias da Confecção Camarim, fornecedora de roupa para lojas conceituadas do Rio e de São Paulo, também atribui a queda do setor ao maior volume de importação de países como China e Índia e pondera que os altos custos da matéria-prima do país, de impostos e de mão de obra torna a competição mais difícil. O setor de confecção tem perdas de 18,7% desde 2008, segundo o Iedi.

— É a crise mais forte desde que estou neste ramo — diz Sandra, que trabalha no setor há mais de 20 anos.

O presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, por sua vez, tem uma visão mais otimista. Representante do setor que mais recebeu ajuda do governo desde a crise — com desonerações de IPI, proteção de indústria nacional e medidas para estimular o crédito para a compra de automóveis — ele considera que o pessimismo dos empresários está relacionado ao fraco desempenho da economia no primeiro semestre de 2014, que foi agravado pelo fato de a Copa do Mundo ter reduzido o número de dias úteis, afetando a produção e as vendas:

— Alguns de nossos indicadores internos mostram que teremos um segundo semestre melhor.cosméticos e bebidas avançam com classe média

O cenário dos últimos seis anos não foi ruim para todos os setores. O trabalho do Iedi destaca que alguns conseguiram superar a crise e elevar sua produção. Neste grupo, estão a fabricação de produtos de limpeza e cosméticos (com alta de 18,7% nos últimos seis anos) e bebidas (21,6%). Segundo o ex-secretário, esse resultado se deve principalmente ao surgimento da nova classe média:

— Quem se deu bem nesse período, o fez por causa da classe C, que está consumindo mais.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), João Carlos Basilio, destaca que esse fenômeno ajudou a preservar as empresas desse segmento no Brasil:

— Vimos maior acesso das classes D e E a esse tipo de produtos e também a classe C buscando itens de maior valor agregado.

Mesmo assim, o presidente da Abihpec vê com preocupação o quadro atual da economia, lembrando que está difícil fazer projetos de investimento de longo prazo no Brasil.

A equipe econômica se defende afirmando que o clima de pessimismo não é prerrogativa brasileira e se deve ao fraco desempenho da economia mundial. Segundo os técnicos, no Brasil, há ainda o agravante do cenário eleitoral, que cria incertezas.

— A crise internacional bateu em cheio na indústria de transformação. Quando exportam menos, as empresas ficam com estoques e se não conseguem vendê-los no mercado doméstico, isso afeta o emprego e a produção — afirmou um técnico do governo.

Mesmo assim, o Ministério da Fazenda acredita que o quadro tende a melhorar já no segundo semestre de 2014. Ao anunciar incentivos ao crédito na última quarta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a confiança dos consumidores está aumentando, o que deve elevar o consumo e reduzir os estoques.

Fonte: ORM News