Topo
Sindivestuário / Destaque  / Moletom é novo pretinho básico para trabalhar e folgar na pandemia
9 jun 2020

Moletom é novo pretinho básico para trabalhar e folgar na pandemia

“Training – Traje de duas peças usado por atletas durante o século 20, confeccionado em algodão pesado e/ou fibras sintéticas. O modelo da calça é ajustado nos tornozelos e a cintura é dotada de elástico ou franzida com cordão. O blusão normalmente possui mangas compridas. Na década de 1970, o training se incorporou à indumentária informal feminina. É conhecido vulgarmente como abrigo.”

Não se trata de alucinação. A “Enciclopédia da Moda”, de Georgina O’Hara, lançada em 1986, prova que houve um tempo longínquo em que o conjunto de moletom, ou agasalho, era chamado de training ou, “vulgarmente”, de abrigo. Alguns ainda a tratavam como “jogging”, pois há 50 anos as pessoas vestiam o training para fazer jogging (correr).

Seja qual for a sua geração ou o nome que use, o abrigo é o novo preto em 2020. A pandemia do novo coronavírus, é claro, tem tudo a ver com a moda. Nada faz mais sentido do que usar roupas confortáveis e quentinhas durante a quarentena em casa. Pois, apesar de o inverno só começar em 20 de junho, os paulistanos já estão enfrentando madrugadas baixo dos 10º C.

Uma vez que as conferências e reuniões corporativas não exigem que os funcionários das empresas enverguem ternos, gravatas ou tailleurs, o visual dos conjuntos virou uma nova tendência do vestuário. “As pessoas estão comprando o que precisam de fato, o que é essencial”, explica o jornalista de moda Pedro Diniz. “Daí o boom das vendas on-line de camisetas, pijamas, cuecas e moletom.”

Pode-se encontrar os velhos trainings de todos os preços, alguns que parecem ter juros acumulados desde os anos 1970. É o caso de um modelo da Gucci, cuja blusão ou calça importadas estão na casa dos R$ 9.500. Cada parte. O conjunto atinge quase R$ 19 mil.

Esse movimento, contudo, não é exclusivo da Covid-19. Faz parte dos meandros da alta costura, que transformou agasalhos em artigos de luxo em meados dos anos 2010.

“Os agasalhos nunca deixaram de existir, mas estavam restritos às subculturas, tribos. Em 2014, houve uma volta dos conjuntos, a partir do que ficou conhecido como o desfile do supermercado, feito pela Chanel em Paris”, diz Diniz. “Em um supermercado cenográfico, a grife montou uma passarela para seus modelos desfilarem peças de streetwear. Um ano depois, a Gucci deu o xeque-mate.”

A produtora criativa Aline Prado segue o raciocínio: “A Gucci foi assumida por um diretor criativo em 2015, Alessandro Michele, que tem muita personalidade. Ele deu essa grande virada na marca, com conjuntos de moletom, mulheres de pijama, uma cara meio de velhinho, de nerd”.

“Michele introduziu o sabor vintage na onda do streetwear de luxo”, concorda Diniz. A partir de então, as grandes grifes começaram a colocar essa nova tendência nas revistas de moda. “O resultado é que é a Gucci é a grife que mais cresce no mundo. Em um único ano, cresceu seis vezes o seu valor.”

Para Prado, “sempre tem uma grande grife no pico, ditando a tendência. Hoje ainda é a Gucci. Outras marcas sofisticadas acabam seguindo, de tão certo que está dando. E as lojas mais acessíveis estão sempre de olho, copiando. Aí a Zara tem um momento de conjunto de abrigo, as marcas esportivas passam a vender mais etc.”.

Diniz lembra que chegou a haver uma tendência de mudança no ano passado.

“Estava rolando o início de uma volta aos clássicos. Salto alto, trench coats, vestidos suntuosos, mangas com volume. Uma espécie de moda de baile, mais burguesa. Foi quando chegou a pandemia. E aí, as pessoas tiveram que se voltar ao básico.”

Mas um conjunto básico de R$ 19 mil? É importante entender a diferença entre o que é básico e o que é barato. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, diz o especialista.

“Básico é o desenho industrial da peça. Uma camiseta ou um agasalho são básicos. A partir daí, existem variantes e formas para se apresentar o produto final e é aí que entra o preço. Pode ser feito com o tecido mais vagabundo e ser barato ou pode ter diamantes incrustados e ser caríssimo.”

Segundo Prado, “tudo muda quando uma grande grife fala: ‘Isso aqui é bacana. Pode usar agasalho que você não é tiozão, você é fashion!’”. Então, combinado: te vejo de abrigo na próxima reunião.

FONTE: Folha