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6 jun 2014

Novidades dão o tom ao trabalho em dupla

Sob o lema “um por todos e todos por um”, dois clãs dirigem a Darling há seis décadas, sem recorrer a profissionais”.

Quando deixaram a terra natal, a Iugoslávia, nos anos 40, os jovens Iso Masijah e Moisés Castro Nahum tinham um único objetivo: fugir das agruras da Segunda Guerra Mundial. Na bagagem, nada de sonhos nem pertences, apenas medo.

Quando deixaram a terra natal, a Iugoslávia, nos anos 40, os jovens Iso Masijah e Moisés Castro Nahum tinham um único objetivo: fugir das agruras da Segunda Guerra Mundial. Na bagagem, nada de sonhos nem pertences, apenas medo. O que os amigos desde a infância não imaginavam é que pouco mais de um ano após a fuga, eles se encontrariam em uma sinagoga, em São Paulo. Renasceria ali uma antiga amizade e, mais do que isso, uma sociedade nos negócios que os acompanharia por toda a vida e teria continuidade com as famílias que formaram no Brasil.

A dupla fundou a segunda indústria de lingerie do país, a Darling, há 65 anos no mercado, produção anual de 3,6 milhões de peças e faturamento estimado de R$ 40 milhões em 2014. Presente em 2 mil pontos de venda, colocou os pés no franchising em 2012, para trabalhar todas as etapas do processo, da fabricação à venda para o consumidor final. Soma 11 lojas, próprias e franqueadas. A concorrência é grande com a chegada das grifes estrangeiras e a invasão chinesa. Nada, porém, desvia a Darling de seu foco: produzir lingerie de qualidade e não brigar por preço. Foi assim, desde o começo.

Vendedores de talento, Masijah e Nahum se mantinham na capital paulista comercializando materiais de escritório e pregos. A intenção de mudar de vida, contudo, era grande. Ideias não faltavam, dinheiro, sim. Foi com o arroubo da juventude e pelo efeito de algumas cervejas a mais que a dupla decidiu confeccionar um sutiã nos moldes europeus e sair vendendo nos magazines. Afinal, o consumo era certo, porque toda mulher usava.

Na mesa do bar, eles firmaram a aposta de que venderiam a novidade para a Sears. Naquela época, as compras de peças íntimas eram feitas basicamente nas lojas de departamento. À disposição da clientela, somente sutiãs em um único modelo, nas cores branco, champanhe e preto. Vermelho, só atrás do balcão, porque era cor usada apenas por prostitutas. Nada de artigos refinados, apenas com bom preço e para uso diário. Os toques de requinte eram reservados a quem tinha o luxo de viajar ao exterior.

Um modelo trazido da Europa, a habilidade na máquina de costura das próprias mães, dona Margarida e dona Bertha, e um pedaço de cambraia, tecido usado para confeccionar fronhas, foram suficientes para a dupla transformar ideia em produto. Com a novidade na mão, bateram à porta da Sears e deixaram a amostra para avaliação. “Ouviram um sonoro não”, conta Ronald Masijah, um dos filhos de Iso. “A negativa não estava ligada à qualidade do produto, pelo contrário. O magazine achou o modelo muito sofisticado para a linha que ofereciam.”

Longe de desanimar e dispostos a não mudar o perfil do produto, os sócios decidiram ir adiante. Juntaram os poucos trocados que tinham, uma máquina de costura que ganharam de um patrício, e abriram uma pequena fábrica na rua da Graça. Em 1949, emitiram a primeira duplicata em nome da Sears, o cliente que em um primeiro momento disse não, mas logo se transformou na mola propulsora dos negócios.

A Darling nasceu com o desafio de oferecer lingerie de qualidade e não brigar por preço. Chegou por anos a fabricar no Brasil a linha de moda íntima da Christian Dior. Carrega o pioneirismo em seu gene. Na década de 70, lançou o sutiã que descia pelas costas para acompanhar os decotes profundos, prendendo abaixo da cintura. Nos anos 90, colocou no mercado um ‘tomara que caia’ que não caía mesmo, depois foi pioneira ao enfeitar a lingerie com pedrarias e, mais recentemente, ao lançar o sutiã com alça de silicone.

“Eu ficava incomodado quando a alça do sutiã da minha filha aparecia. Peguei um pedaço de plástico que um fornecedor usava para firmar por dentro do decote do sutiã, soldei e montei uma alça”, conta Ronald, engenheiro de formação, e apelidado entre os irmãos de Professor Pardal. Novidade nas mãos, pediu para o departamento de criação desenvolver um modelo com a inovação. Nasciam, assim, as alças de silicone, que ganharam até os camelôs e foi um dos maiores sucessos de venda na área de lingerie dos últimos anos. “Pena que não a patenteamos”, lamenta Ronald.

Foi graças ao seu espírito inovador, que a Darling conseguiu abrir sua primeira conta no então Banco de Boston, cuja bandeira era apoiar a criação de novos negócios. Foi o banco que emprestou dinheiro para os sócios ampliarem a fábrica e comprarem um terreno no distante bairro do Jaçanã, na Zona Norte de São Paulo. Era início dos anos 50 e ninguém queria se estabelecer por lá. “Quando eles chegaram, havia apenas a Metalúrgica Aliança e a Igreja de Santa Rita”, lembra. “O padre tinha água disponível no poço e nós uma linha telefônica. Trocamos favores.”

foto30rel-101-perfil-f14Ronald Masijah: engenheiro de formação, é apelidado pelos irmãos de professor Pardal por causa de suas invenções

Nos anos 90, lançou ‘tomara que caia’ que não caía de jeito nenhum e sutiã todo enfeitado com pedraria

O clima familiar não era apenas com a vizinhança, mas principalmente dentro de casa. Cada um dos sócios tinha 50% do negócio. No final dos anos 90, com a segunda geração dentro da fábrica e muitos casados em regime de comunhão de bens, decidiu-se, com a ajuda de um consultor, dividir a empresa em duas holdings, uma para cada clã. “Cada uma das famílias pode indicar três diretores, os demais ganham os dividendos das holdings, mas não atuam no dia a dia”, afirma Ronald.

Hoje, são seis à frente das diretorias – Lilian Masijah, diretora de marketing; Roberto Masijah, diretor de suprimentos; Ronald Masijah, diretor industrial; James Castro, diretor financeiro; Margareth Castro, diretora de produto e Davis Castro, diretor comercial – e Dona Sol, diretora de RH e matriarca dos Masijah. Aos 81 anos, dá expediente diário na fábrica, conhece os funcionários pelo nome e está à frente de uma biblioteca com mais de 3 mil livros, que ela mesma montou para incentivar a leitura entre os seus mais de 400 colaboradores.

Em tempos de governança corporativa, a Darling prefere seguir a cartilha que fez parte de sua trajetória por mais de 60 anos. As decisões são tomadas em forma de colegiado. Como são seis, se der empate, o voto do diretor responsável pela área tem peso maior. Assim como nos tempos de Masijah e Nahum, falecidos respectivamente nos anos 1988 e 200, o almoço de domingo é um bom momento para colocar a conversa em dia. A figura do presidente não existe e a filosofia da empresa é a mesma dos Três Mosqueteiros, ou seja, ‘Um por todos e todos por um’.

Foi com esta receita que eles decidiram, por exemplo, parar de fabricar moda praia e focar apenas em lingerie, depois de 30 anos de operação. “Éramos responsáveis pela fabricação de marcas como Topper, Rainha, Speedo e Dior. Exportávamos containers cheios, 50% do nosso faturamento vinha da moda praia”, declara Ronald. “Mas, a sazonalidade pesa neste segmento e um produto que até 31 de dezembro custava R$ 100, em 1º de janeiro, passa a valer menos da metade com mudança de coleção”. Ao abrir mão da fabricação de maiôs, biquínis e sungas, a Darling retomou seu principal produto, tentando recuperar espaços perdidos.

A decisão também foi conjunta em relação às exportações. Em 1990, com o Plano Collor, a valorização do Real fez as vendas no exterior caírem, e a Darling perdeu o mercado americano, para onde seguia a maioria de suas remessas. Hoje, exporta apenas 1% da produção para o Uruguai. Na última década, a Darling decidiu reforçar seu posicionamento de trabalhar no nicho de mercado voltado à classe A/B, também disputado por Valisere, Hope e Liz. Sob seu guarda-chuva estão as linhas Wish, de lingerie e pijama, Savage, Jet Sert, Ecochic, Fabulous e Darling Mastec, para mulheres mastectomizadas. A linha, aliás, nasceu de um abaixo assinado eletrônico enviado à indústria no Dia da Mulher, com milhares de assinaturas que pediam atenção especial dos fabricantes de lingerie para pacientes que sofrem cirurgias de mastectomia. “Escutamos e desenvolvemos uma coleção completa não só com toques de moda, mas sobretudo confortável”, diz Lilian Masijah, diretora de marketing.

Sempre atenta aos movimentos do mercado, a Darling espera crescer principalmente no braço do varejo, isso porque as margens da indústria são bem enxutas, algo em torno de 10%, em decorrência da complexidade da operação. Para se ter uma ideia, um sutiã de renda tem 20 etapas de produção, do design às especificações técnicas.

Antes de entrar no segmento de franchising, há dois anos, a Darling operava com um modelo de negócio batizado de loja exclusiva. Uma mistura de franquia, licenciamento e venda em consignação criada por Davis Castro, diretor comercial. A empresa escolhia as multimarcas que mais vendiam Darling e o comerciante se comprometia a vender só a marca ou, no máximo três etiquetas diferentes, mas priorizando a Darling. Não havia exigência de mudança do visual e o prazo para vender o estoque era grande. A mercadoria não comercializada poderia ser devolvida. Assim funcionaram as três primeiras unidades em Portugal, a partir de 2006, fechadas quando a Europa entrou em crise. “Foi quando decidimos criar nossas lojas piloto e contratar um profissional para formatar a franquia”, diz Ronald. “Hoje, 11 estão em operação, entre próprias e franqueadas, além de quatro lojas exclusivas.” A meta é fechar 2015 com 60 em operação. A fabricante também instalou um e-commerce e se prepara para levar tecnologia aos pontos de venda e rastrear todos os produtos.

Sem esquecer o passado, preservado em um pequeno museu dentro da fábrica do Jaçanã, a Darling Lingerie se prepara para continuar a crescer com a oferta de produtos inovadores e uma gestão profissionalizada. “Até hoje nossa cartilha foi a da administração familiar, com as tomadas de decisão em conjunto”, ressalta Ronald.

Fonte: Valor

Por Kátia Simões, de São pauo