Topo
Sindivestuário / Negócios  / Economia  / A receita de sucesso de uma gestão familiar baseada em simplicidade
19 jun 2015

A receita de sucesso de uma gestão familiar baseada em simplicidade

Em 63 anos, a Lojas Cem, de Natale Dalla Vecchia (na foto) e seus dois irmãos, jamais fechou uma filial, banca o financiamento dos clientes e ignora o varejo eletrônico

Dez entre dez especialistas em varejo asseguram que o futuro do negócio envolve a integração de lojas físicas e virtuais, vendas por meio de aplicativos em celulares, além de outros canais capazes de atender o consumidor onde ele estiver.
Abertura de capital, parcerias com fundos de investimento, bancos estão entre as alternativas por eles citadas a fim de que as grandes redes varejistas permaneçam capitalizadas para investir em tecnologia e expansão.

“Temos ouvido falar dessas tendências. Mas pensamos de outra maneira. Não digo que nunca faremos, mas, por ora, não temos planos de vender pela internet, montar aplicativo para celulares, entrar em shoppings ou abrir o capital”, afirma com serenidade o empresário Natale Dalla Vecchia, cofundador da Lojas Cem, baseada em Salto, uma das 29 estâncias turísticas paulistas localizada a 115 quilômetros da capital.

Fundada há 63 anos a partir de uma oficina de bicicletas montada pelo imigrante italiano Remígio Dalla Vecchia, pai de Natale, a Lojas Cem é a terceira maior rede de eletrodomésticos e móveis do país. Seu faturamento atingiu R$ 4,3 bilhões no ano passado obtido com as vendas em 227 lojas espalhadas por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Detalhe: à exceção de um ponto de venda, todos os demais operam em prédios de propriedade da família.

Natale e seus irmãos e sócios –Giácomo, de 77 anos, e Cícero, de 62– acompanham de perto as negociações com os principais fornecedores, assim como as ofertas para entrada em shopping centers, parcerias com bancos e fundos de investimento.

NATALE, AO CENTRO, COM OS IRMÃOS GIÁCOMO (À ESQ.) E CÍCERO

“Recebemos todos que querem nos propor algo, mas de antemão já sabem que não entramos em negócio que não dá lucro para a rede”

Quando ele e o irmão Giácomo sentiram que a oficina de bicicleta do patriarca não iria prosperar do jeito que queriam, no início da década de 50, convenceram o sr. Remígio, conhecido por “seu Gino”, a sair do negócio. “Se tivessemos seguido nosso pai, não teríamos nada”, diz Natale, brincando.

Os três juntos tocam o dia-a-dia da empresa. “Até nisso nós somos diferente. Aqui não tem presidente. Somos três diretores, e tomamos todas as decisões em conjunto”, diz Natale. O primogênito Giácomo está mais afinado com a área administrativa, Natale com a comercial e Cícero com a financeira.

A gestão familiar, baseada em práticas de simplicidade ‘caipira’ tem sido muito bem-sucedida. A Lojas Cem fechou 2014 com um lucro de causar inveja a qualquer empresa. Foram cerca de R$ 360 milhões, um dos maiores já registrados.

“Olhe os balanços de nossos principais concorrentes no período e você vai descobrir que nosso resultado é o melhor. Por que? Porque estamos capitalizados e não estamos dispostos a dividir o lucro com ninguém”, afirma Natale.

A retração da economia, é claro, também atingiu a Lojas Cem. O consumidor está mais endividado e com receio de comprar. A inadimplência também dá sinais de que vai crescer, prevê Cícero Dalla Vecchia.

As perdas com atraso acima de 180 dias representam cerca de 7% ante 4,5% daquelas com atraso a partir de 60 dias. O faturamento da rede neste ano está parecido com o do ano passado. Considerando a inflação, portanto, a receita está menor.

Até a metade do ano que vem, na avaliação de um dos maiores empreendedores do país, a economia deve permanecer em banho maria. “Meu sexto sentido indica, porém, que a partir do segundo semestre de 2016, o movimento deve voltar a crescer”, afirma Natale.

Por essa razão, os investimentos para expansão da rede foram mantidos. A empresa vai desembolsar R$ 60 milhões para abrir dez novas lojas neste ano. E, para o ano que vem, vai investir mais alguns milhões de reais na expansão de seu centro de distribuição (CD), com 123 mil metros quadrados de área construída. O CD está preparado hoje para atender até 250 lojas.

“Veja como somos diferentes. Somos a empresa mais antiga de eletrodomésticos e móveis do país e nunca fechamos uma filial em 63 anos de história”, diz Natale.

A pedido de fornecedores, a rede chegou a elaborar uma espécie de manifesto com as principais ações da empresa para se manter sólida, mesmo em tempos de crise.

Eis as ações: gestão espartana. Lojas instaladas em prédios próprios. Compra para pagamento em curtíssimo prazo. Não distribuir todo o lucro da rede entre os sócios. Não depender de bancos para bancar as vendas a prazo. Reformar as lojas a cada dez anos. Entregar produtos em até 48 horas. Somente nomear gerentes que tenham sido vendedores da rede.

“Costumamos dizer que somos sócios pobres de uma empresa rica. Você não vai chegar a ver em toda a sua vida a Lojas Cem entrar com pedido de recuperação judicial”.

Leia, a seguir, trechos da entrevista de Natale Dalla Vecchia ao Diário do Comércio:

Nossa história começa em 1952. Minha mãe era tecelã de uma fábrica em Salto e, meu pai, funcionário da Light. A fábrica em que minha mãe trabalhava fechou e, com a indenização que recebeu, ela e meu pai, que adorava bicicletas, resolveram montar uma oficina.

Naquela época eu tinha 15 anos e meu irmão Giácomo, 14. Começamos a trabalhar com meu pai, mas, depois de alguns anos, vimos que o negócio não iria prosperar. Em 1956, com muito pesar por parte de meu pai, nós acabamos com a oficina e decidimos vender máquina de costura, liquidificador, enceradeira, panelas. A oficina cedeu espaço para os eletrodomésticos, mas mantivemos o comércio de bicicletas.

Como naquela época não havia financeiras, pegamos dinheiro emprestado para poder bancar as vendas a prazo para os clientes. O negócio deu certo. Nossa loja chamava-se Zanni & Dalla Vecchia, nome que meu pai acabou trocando para R. Della Vecchia, um pouco mais tarde.

Em 1960, montamos a primeira filial em Indaiatuba (SP) e, logo em seguida, em Itu (SP). O nome da loja era difícil de pronunciar. Em 1974, decidimos fazer um concurso para trocar a marca. Queríamos algo curto e fácil de memorizar. Optamos por CEM (Comércio de Eletrodomésticos e Móveis), e ficou Lojas Cem. A partir daí, não paramos mais de crescer.

Eu e meus dois irmãos estamos na ativa e nos damos muito bem. Nunca brigamos. Temos um cunhado que, embora não tenha se dado muito bem com minha irmã, se dá muito bem conosco.

Trabalho todos os dias, das 8h30 às 18h, inclusive aos sábados. Se eu ficar em casa, brigo com a mulher. Minha função principal é assessorar equipes nas compras de eletrodomésticos.

Não atendo diretamente os fornecedores, mas ensino a equipe de compras a negociar. Eu digo: não caiam na conversa do fornecedor de que todo mundo está pagando mais caro pelos produtos ou porque a inflação subiu ou porque o dólar está mais caro.

O objetivo de uma empresa comercial é obter lucro; do contrário, não sobrevive. Se não tivermos condições de acompanhar os preços da concorrência com lucro, eu digo: não comprem.

O bom comprador é aquele que permite que possamos vender com o preço igual ou melhor do que o dos concorrentes, com lucro. O que fazemos, geralmente, no caso de nossos principais fornecedores, é trocar ideia com a nossa equipe de compras para ver se vale ou não a pena comprar os produtos com os preços que eles estão nos oferecendo.

Há um verdadeiro terrorismo. Os representantes dos principais fabricantes, como a Whirlpool e a Electrolux, chegam para nós e dizem que precisam elevar os preços em 22% porque o dólar aumentou 30%, assim como os preços das commodities.

O que fazemos é o seguinte. Olhamos os preços da Casas Bahia, do Ponto Frio, e aí voltamos para eles e falamos: quando os nossos concorrentes estiverem vendendo mais caro, nós voltaremos a conversar. Aí eles reduzem os aumentos para 5%, 6%. É assim que funciona.

Centro de Distribuição em Salto

Nosso grande trunfo é o seguinte: pagamos rigorosamente em dia e em prazos curtíssimos. Se o título vence no domingo, por exemplo, pagamos na sexta-feira anterior. Já ouvimos dizer que há redes que, por conta da inflação mais alta, estão pedindo prazos maiores para os fornecedores para, possivelmente, aplicar no mercado financeiro. Não fazemos isso.

Diferentemente de muitas redes, o lucro não vai para o nosso bolso, segue para o caixa da empresa. Nós somos funcionários com uma retirada mensal de R$ 10 mil cada. Para o nosso padrão, isso não dá. O que fazemos, então, é pegar entre 5% e 6% do lucro da empresa para dividir entre nós. Outros 94%, 95% do lucro ficam para capitalizar a rede.

A Lojas Cem é diferente de todas as concorrentes do mercado. Somos a única empresa do ramo que nunca fechou uma filial. Em toda a cidade que chegamos, nós ficamos. Não importa o tamanho da cidade, a loja tem o mesmo tamanho, entre 1.400 e 1.500 metros quadrados, o mesmo layout, os mesmos produtos, os mesmos preços. Não pedimos incentivo fiscal. Chegamos às cidades para agregar, não para tirar delas.

Nós queremos aquele cliente que compra com carnê e que, humildemente, vai todo o mês até as nossas lojas para pagar a prestação.

Durante 20 meses, ele tem contato direto com o vendedor que o atendeu e, portanto, passa a ser um cliente cativo. As vendas com carnê representam 60% do nosso faturamento. Os cartões participam com 20% e o pagamento à vista com os outros 20%.

Nós bancamos o crediário. E isso é um dos nossos trunfos. Com isso, conseguimos trabalhar com a menor taxa de juros do mercado, de 1% ao mês, no caso de financiamento de até três meses.

Nosso dinheiro está aplicado a 0,5% ao mês. Conseguimos trabalhar com taxa de 1% porque temos o lucro também na venda à vista. Nosso objetivo é ajudar a venda, e não ganhar dinheiro financiando o consumidor.

Não temos lojas em shoppings por causa de custos. O custo de uma loja em shopping é de 6% a 7% sobre o faturamento. Se o lucro da loja é de 6%, então não vamos ganhar nada estando lá e, isso, sem considerar as promoções. Portanto, não vale a pena entrar.

Eu e meus irmãos temos filhos que trabalham na empresa. Na verdade, o que tem menos tempo já trabalha aqui há mais de dez anos. A idade dos nossos filhos varia de 35 anos a 50 anos.

Podemos dizer que eles estão preparados para tocar o negócio. Nós administramos a empresa em equipe e, para nossa sorte, os filhos e sobrinhos se dão bem. Todos eles fizeram faculdade, trabalharam em outro lugar, e vieram para cá ganhando pouco durante cinco anos, passando por funções pequenas. Eles estão preparados para ficar em nosso lugar, quando a empresa precisar. Isto é, estão preparados  para comer o pão que o diabo amassou.

 

Fonte: http://www.dcomercio.com.br/

Autora: Fátima Fernandes