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4 jun 2020

Coronavírus: quais são os impactos da pandemia na indústria da moda?

É verdade que a pandemia do coronavírus afetou a saúde, mas também atingiu a economia. No que diz respeito à moda, uma das indústrias que mais gera empregos no mundo, o impacto é evidente. Muitas pessoas perderam seus trabalhos, o consumo caiu drasticamente, as semanas de moda e outros eventos foram cancelados… Enfim, são tempos repletos de transformações.

Para entender de que forma essas mudanças que estamos vivendo hoje vão se refletir no futuro, conversamos com especialistas no assunto.

Julia Faria, Head de Novos Negócios da WGSN América Latina, empresa de previsão de tendências, explica que a pandemia vem acelerando uma série de mudanças que já estavam previstas, uma vez que o modelo clássico da indústria da moda não fazia mais sentido. “Neste momento, temas como bem-estar, conforto e proteção se tornaram prioridades, e o principal ponto é que as pessoas estão se questionando, de fato, em relação ao que consomem. A questão do consumo com propósito é muito importante”, diz.

Segundo ela, o fim dos excessos na moda era uma tendência que está sendo colocada em prática. “As pessoas vão consumir de uma forma mais consciente. A compra virá acompanhada de perguntas como: ‘Eu realmente preciso desse produto? Ele traz benefícios diretos para a minha comunidade local? Quais são os processos sustentáveis por trás dele?’“

Fernanda Simon, diretora executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil, também percebe modificações na mentalidade dos consumidores. “As novas gerações estão mais interessadas em marcas e produtos com propósito, que carregam valores definidos. A pandemia está acelerando essa transição, porque significa uma oportunidade para enxergar outras realidades e até o resultado da interferência humana na natureza.” Percebeu que “propósito” é uma palavra-chave?

Mulheres usando máscaras passam em frente a uma loja em liquidação, no dia 28 de maio, em Malaga, na Espanha (Jesus Merida/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

E como fica a moda sustentável? De acordo com Mariana Chaves, coordenadora de comunicação do Fashion Revolution Brasil, essa separação entre “moda” e “moda sustentável” não deveria existir. Em resumo, qualquer produção deveria ser sustentável, considerando as pessoas por trás dela e os impactos que imprime no planeta.

Para Julia Faria, a indústria deve se atentar, mais do que nunca, às práticas sustentáveis. O ~espaço~ que existe entre o discurso do sustentável e a prática dele precisa acabar. “Por exemplo, o uso de compostos químicos sintéticos que poluem a água pode ser substituído por fibras à base de plantas. A tecnologia deve ser desenvolvida para seguir esse caminho de preocupação com o meio ambiente.” Além disso, ela diz que é fundamental que as marcas reforcem o engajamento do consumidor por meio da comunicação. “O estilista inglês Christopher Raeburn, conhecido por ser defensor das práticas sustentáveis, gera conteúdo em suas redes para mostrar ao mercado os aprendizados que vêm com o coronavírus”, comenta.

Aqui, estamos falando de estratégias de comunicação que reforcem posicionamentos verdadeiros, ou seja, de marcas que se destacam pela bandeira da sustentabilidade, e não aquelas que se apropriam de um discurso que não faz sentido com o que realmente acreditam.

Nesse contexto de consumo consciente, o que acontecerá com o fast fashion? Ao que tudo indica, ele não vai acabar. Porém essa lógica de produção e descarte rápidos precisa se adequar. “A longo prazo, as gigantes do varejo vão perder forças, se elas não se adaptarem às realidades sociais e ambientais, como a limitação de recursos naturais. No entanto, a curto prazo, não acredito que elas deixarão de existir. Inclusive, caso isso aconteça, os trabalhadores serão os mais prejudicados. Precisamos pensar em mudanças sistêmicas e exigir das marcas transparência e responsabilidade em seus processos”, argumenta Fernanda Simon.

Pessoas desrespeitam distância segura em fila em frente à Zara, em 11 de maio de 2020, quando o comércio foi reaberto em Paris, na França (Samuel Boivin/NurPhoto/Getty Images)

No início de maio, quando o comércio reabriu na França, filas enormes foram formadas em frente a lojas da Zara. Mas, para Julia Faria, isso é apenas efeito de uma demanda reprimida: “Essa movimentação ocorreu porque as pessoas não podiam sair de casa. Se olharmos para um horizonte de longo prazo, o modelo fast fashion precisa se adaptar ao movimento do consumo consciente e fim dos excessos.”

Outra tendência acelerada é o investimento nos e-commerces, uma vez que as plataformas online foram necessárias devido ao isolamento social, e o apoio aos brechós e peças de segunda mão. “Ao analisarmos o período antes do coronavírus, vemos que o mercado de roupas vintage estava crescendo exponencialmente. O The RealReal, maior e-commerce de luxo dos Estados Unidos, estava abrindo lojas físicas, enquanto as grandes varejistas estavam fechando. No curto prazo, é possível que esse segmento enfrente alguns desafios, porque pode haver um receio de segurança, de as pessoas não saberem como foi o manuseio da peça, quem esteve envolvido no processo. Entretanto, a longo prazo, com todo o movimento de consumo sustentável, é um mercado muito importante”, afirma Julia Faria.

As semanas de moda também estão se reinventando. A Saint Laurent anunciou sua saída do calendário oficial e vai apresentar suas coleções em seu próprio ritmo, pelo menos em 2020. O próximo desfile da grife aconteceria em setembro, em Paris. Depois dessa decisão, a Gucci foi outra que abandonou o calendário tradicional e passará a desfilar apenas duas vezes por ano. Além disso, um time de estilistas se reuniu para defender alterações na indústria e nas semanas de moda, reorganizando o calendário de lançamentos. Resta saber se essas iniciativas serão efetivamente cumpridas, né?

 

FONTE: Capricho