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14 set 2017

As origens da moda rápida

Em Inglaterra, durante a II Guerra Mundial, o vestuário, como qualquer outro artigo de primeira necessidade, foi severamente racionado. À escassez, juntava-se depois o custo crescente das roupas disponíveis. Mais do que isso, o racionamento foi aplicado não só à população, como também aos fabricantes de vestuário.

«A quantidade de matéria-prima disponível era muito mais baixa em relação ao pré-guerra e como só se conseguia uma determinada quantidade de tecido, a tendência natural foi transformá-lo em peças caras, com uma significativa margem de lucro», explicou Mike Brown, autor do livro “CC41 Utility Clothing: The Label That Transformed British Fashion”, à revista digital de moda Racked. «Este foi um problema que o governo teve: com esses problemas de restrições de oferta, como conseguir manter os preços baixos?», acrescenta.

Em julho de 1941, Metford Watkins, diretor-geral da Direção de Vestuário Civil, anunciou a vontade de tornar a roupa acessível para a classe trabalhadora. Watkins iria conseguir isso introduzindo um novo tipo de vestuário, ao qual chamou primeiro de “utilidade geral”, depois, e mais formalmente, de CC41.
A sociedade britânica não gostou da proposta. O próprio conceito de vestuário controlado pelo Estado inflamou as memórias institucionais da “roupa padrão” da I Guerra Mundial. Os fabricantes, por seu lado, reclamaram que não conseguiriam lucrar com as roupas, enquanto os consumidores se desesperavam pela qualidade inferior e designs invariáveis das peças.

«A maioria das pessoas tinha a ideia de que qualquer coisa relativa a vestuário padrão seria um uniforme», revela Brown.

Os vestidos das mulheres não podiam mais ter saias em camadas ou mais de quatro pregas, por exemplo. Os fatos masculinos tiveram que dispensar os botões nos punhos. Mesmo as peças de criança viram-se despojadas de laços e bordados. Mas, apesar das restrições físicas que o regime impôs, o governo não fez restrições à cor.

Fundada em 1942 com o objetivo de promover a concorrência britânica, tanto em casa como no exterior, a Incorporated Society of London Fashion Designers, ou IncSoc, foi o antepassado espiritual do British Fashion Council de hoje.

Os membros fundadores incluíam nomes como Bianca Mosca, Victor Stiebel, Edward Molyneux, Hardy Amies, Digby Morton e Norman Hartnell – o costureiro da família real britânica.
Os historiadores concordam que foi nada menos de que um golpe mestre. Geraldine Howell, que escreveu “Wartime Fashion: From Haute Couture to Homemade, 1939-1945” em 2012, avalia o movimento como uma «resposta imaginativa para o ceticismo sobre o produto» – sendo o produto, claro, a utilidade.

Cada um dos designers foi incumbido da elaboração de um casaco, um vestido, uma blusa e uma saia. Ainda que usassem um tecido utilitário e respeitassem as regras da austeridade, os designers tinham carta branca para fazer o que quisessem.

O público ficou entusiasmado e o envolvimento de Hartnell foi uma grande vantagem.
«As esposas suburbanas e as meninas da fábrica poderão em breve usar roupas desenhadas e desenvolvidas pelo costureiro da rainha», exaltava à data o Daily Mail.

Setenta anos depois, estes acontecimentos continuam a inspirar as marcas.

A H&M tem conquistado o público com coleções cápsula de edição limitada fruto de parcerias com marcas de autor como Karl Lagerfeld, Alexander Wang, Comme des Garçons ou Balmain a preços acessíveis. A Target fez o mesmo com Alice Temperley, Proenza Schouler, Rodarte e Missoni. A Gap propôs peças acessíveis de Michael Bastian, Steven Alan, Thakoon e Doo.Ri.

Em 1942, no entanto, a ideia de se casar o retalho com a moda de autor era completamente nova, audaciosa até.

Num país ainda dividido por classes, a II Guerra Mundial serviu para esbater fronteiras. Uma das consequências, segundo a escritora Julie Summers, foi a democratização da moda. «Começou até certo ponto antes da guerra, com a produção em massa da moda de Hollywood e de Paris pelos retalhistas», sublinha, «mas a utilidade tornou a disponibilidade de roupa de boa qualidade muito mais difundida».

O vestuário era popular, não só porque era bem-feito, mas também porque era apelativo até a orçamentos modestos.

Os preços tinham um teto fixo; considerando a utilidade, os lucros dos fabricantes não podiam exceder 4% das despesas de produção e vendas, enquanto as margens dos grossistas tinham de ficar dentro de 20% do preço do fabricante. Os lucros dos retalhistas ficaram limitados em 33% do preço do fabricante ou do grossista.

A utilidade fez da produção em massa um processo mais eficiente. Além de tornar o vestuário rentável, a utilidade destinou-se a economizar materiais e mão-de-obra para os esforços de guerra.
Eric L. Hargreaves e Margaret Gowing, em “History of the Second World War: Civil Industry and Trade in 1952”, descobriram que a utilidade e a austeridade salvaram milhões de metros de lã, algodão e viscose, ao mesmo tempo que libertavam centenas de milhares de trabalhadores para o trabalho de guerra.

Algumas dessas eficiências podem hoje ser encontradas no retalho, embora com uma escala mundial mais prodigiosa.

A Zara gere 850 milhões de itens de vestuário todos os anos, de acordo com a Greenpeace. A diferença é que, enquanto a utilidade foi construída para ultrapassar a escassez da guerra, a moda rápida é dominada pelo descartável. Se a utilidade foi baseada no consumo ponderado, o modelo de moda rápida é comandado pelas tendências. A utilidade era parcimoniosa em relação aos materiais; hoje os britânicos enviam cerca de 1,5 milhões de toneladas de têxteis para os aterros sanitários anualmente.

 

Fonte: fashionnetwork