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15 abr 2015

As confecções lançaram a coleção de inverno. Cadê os lojistas?

Em pleno lançamento da coleção outono inverno, os atacadistas do Bom Retiro, que distribuem roupas para todo o país, estão com seus estabelecimentos vazios. É a crise

Em um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, conhecido por reunir atacadistas que abastecem lojas de roupas de todo o Brasil, o Bom Retiro, o clima é um misto de pessimismo e ansiedade.

Em pleno mês de lançamento da coleção de outono e inverno, quando, tradicionalmente, as lojas e as ruas do bairro ficam abarrotadas de gente, não há sinal de lojistas –nem de São Paulo, nem do resto do país. Será que se esfriar mais eles vão aparecer? É que o perguntam e desejam ansiosamente os atacadistas da região.

No ano passado, no mesmo período, os empresários do Bom Retiro, com histórias de mais de meio século no bairro, já não apostaram no lançamento da coleção para o frio, por conta da Copa do Mundo.

Eles sabiam que os jogos com os maiores craques do mundo do futebol tirariam, pelo menos por um mês, os clientes das ruas. E foi exatamente o que aconteceu. Muitos lojistas tiveram de antecipar liquidações para ter algum movimento nas lojas.

Neste ano, ao contrário do que previam, o ritmo de vendas está ainda mais lento. “Como vão as vendas da coleção de outono inverno deste ano?”, perguntei, na tarde da última quinta-feira (09/04), para Berenice Soares, gerente da Le Ventana, loja de roupas femininas instalada há 12 anos na Rua José Paulino. “Muito fracas. A demanda caiu uns 70% este ano em relação ao ano passado. Olha só para a loja”, apontava ela, perplexa. Estava vazia.

Os atacadistas do Bom Retiro reduziram em cerca de 50%, em média, o tamanho da coleção de inverno neste ano, já prevendo que os ajustes propostos pelo governo, para tentar colocar a economia em ordem esfriariam o consumo. Mas, ainda assim, mesmo com uma produção um tanto reduzida, eles andam preocupadíssimos com eventuais sobras nas prateleiras.

É exatamente nesta época do ano que os atacadistas conseguem medir a temperatura da estação –se as vendas de roupas para o frio serão fracas ou não. No passado, com a economia mais estável, o lançamento da coleção outono inverno (e a procura ou não pelos artigos) chegou a ser considerado um termômetro dos negócios para todo o ano.

Muitos dos atacadistas do Bom Retiro trabalham com confecção própria e terceirizada. Para não errar, a ponto de ficar sem dinheiro em caixa e ser compelidos até a fechar as portas, o plano neste ano é trabalhar com estoque zero: se a demanda crescer, aí, sim, as costureiras serão chamadas para a produção das roupas mais demandadas. Ao que tudo indica, dizem eles, infelizmente, essa hipótese parece longe de se tornar realidade.

INDÚSTRIA DE CONFECÇÕES ENCOLHE

O mercado brasileiro de confecções movimenta estimados US$ 55 bilhões anuais. O Estado de São Paulo participa com cerca de 50% deste valor (o equivalente a US$ 27,5 bilhões), de acordo com o Sindivestuário, sindicato que representa cerca de 10 mil confecções paulistas.

“Nosso setor chegou a empregar 2 milhões de pessoas no Brasil há dez anos e cerca de 1 milhão em São Paulo. Hoje, são 800 mil empregos aproximadamente no Estado”, diz Ronald Masijah, presidente do Sindivestuário, que reúne fabricantes de vestuário feminino, masculino, infanto-juvenil e de camisas para homens. “Estamos encolhendo a cada ano.”

Os aumentos de custos, a elevada carga tributária e a falta de competitividade com os produtos importados são os principais problemas enfrentados pelo setor.

A orientação dos atacadistas para os seus vendedores neste ano é: não deixe o lojista sair da loja sem nada nas mãos, principalmente, se ele já for um cliente antigo. Geralmente, os atacadistas vendem para os lojistas em até três vezes para pagamento com cartão e cheque. Neste ano, essa política, na média, não mudou, mas agora há exceções.

“O cliente que possui um bom histórico pode pagar com cheque ou boleto em até seis vezes. A ordem é não deixar escapá-lo”, afirma Mônica Cassari, gerente da Malharia Nacional, localizada na rua Silva Pinto. Segundo ela, o lojista nunca esteve com tanto medo de comprar.

Com 86 lojas no país para atender o consumidor, a Gregory ampliou para seis vezes os prazos de pagamento, e sem considerar um valor mínimo de compra, como antes. “Não vamos perder vendas. Se uma cliente quer pagar um blazer de R$ 600 em seis vezes, vamos aceitar”, afirma Andréa Duca, diretora de marketing da Gregory.

Diferentemente de boa parte dos lojistas que vendem diretamente para o consumidor, a rede de lojas comprou para este inverno de vários fornecedores 650 mil peças, a mesma quantidade do ano passado, mas procurou expor alguns produtos mais em conta, como blusinhas de R$ 128 ou de R$ 178, para atrair os consumidores.

A prática do lojista mudou. Tradicionalmente, ele costumava ir ao Bairro do Bom Retiro para comprar para venda em quase toda a estação. Se necessário, ele vinha ao Bom Retiro para compras de reposição. Hoje, ele vai com muito mais frequencia às lojas de atacado e para repor exatamente o que vendeu, e, às vezes, no dia anterior. “O lojista não arrisca mais.”

O varejista está agindo exatamente como o consumidor. Pesquisas indicam que os brasileiros estão mais endividados e também mais cautelosos em relação aos gastos. As vendas de bens mais caros, como carros e eletrodomésticos, despencaram neste início de ano.

Basta olhar as promoções anunciadas por grandes redes. O Walmart lançou uma campanha com descontos de até 70% para eletroeletrônicos. O Magazine Luiza decidiu sortear  condomínios de casas. Até as vendas de alimentos, como arroz e feijão, considerados produtos de primeira necessidade, estão em queda.

No setor de roupas, não é diferente. “O mercado está bem complicado. O que estamos fazendo neste ano? Estamos bem mais preocupados em saber exatamente o que o consumidor quer. Com este mundo globalizado, ele sabe quais são as tendências da moda no mundo e nós temos de oferecer aqui exatamente o que ele vê lá fora”, afirma o empresário Masijah.

TECIDOS NATURAIS COM RESINAS

Uma das novidades que estarão nas lojas neste ano, segundo ele, são os tecidos de fibras naturais, como algodão e lã, com aplicações de resinas, o que faz com que as peças amassem menos. O consumidor também deverá encontrar peças com tecidos de poliuretano, mais parecidos com plásticos. “Alguns tecidos usados em artigos de decoração estão sendo feitos com acabamentos mais macios e, portanto, utilizados pelas confecções. Estamos fazendo de tudo para atrair o lojista e o consumidor”, afirma o presidente do Sindivestuário.

Instalada há quase 50 anos no bairro do Bom Retiro, a Controvento, atacadista especializada em roupas femininas clássicas, importa, principalmente da Coreia, boa parte dos tecidos que utiliza em suas peças, justamente para oferecer peças diferenciadas aos lojistas e consumidores.

Sedas e alguns poucos tecidos, como shantungs, ainda são adquiridos no mercado nacional. “Os fabricantes nacionais de tecidos não se modernizaram. Por isso, para atender a demanda dos consumidores que querem o melhor que existe no mercado mundial, é preciso trazer tecidos de fora”, afirma Antônio Anastassiadis, diretor financeiro da Controvento.

O preço médio de uma peça da Controvento oscila entre R$ 250 a R$ 300 para o lojista. Significa que o consumidor vai pagar cerca de R$ 500 por um blazer, uma calça, por exemplo, da marca. Por conta do aumento do dólar, as peças estão cerca de 15% mais caras neste ano, na comparação com as do inverno do ano passado.

“O ano passado, a culpa das vendas fracas era da Copa do Mundo. Neste ano, da Dilma”, brinca Anastassiadis que toca o negócio, deixado pelo pai, juntamente com o irmão Stéfanos.  A coleção deste ano, diz ele, deve ter cerca de 55 modelos. Cada modelo deve ter mais ou menos umas 80 peças. É uma coleção muito menor do que já foi. “Chegamos a ter 180 funcionários. Hoje, são 70 para fazer o acabamento das peças”, diz.

Com preço médio de R$ 278 a peça, a Nutrisport, rede fundada há 75 anos com três lojas de atacado especializada em roupas femininas, produziu 4.600 peças para este inverno, o mesmo volume do ano passado, já considerado um ano mais fraco. “Está tudo parado. Ainda não fizemos nada de diferente em relação a prazos e preços. Estamos aguardando um pouco mais”, afirma Marcos Passos, gerente da loja da Rua José Paulino.

COLEÇÃO PRIMAVERA VERÃO

Os atacadistas não estão com fôlego financeiro para fazer promoções e dar mais prazos de pagamento para os lojistas. A coleção primavera-verão também foi mais difícil de vender, tanto que a temporada de liquidação foi mais extensa.

“Geralmente, as liquidações duram de 20 a 30 dias. Neste ano, começaram em dezembro e, em alguns casos, se estendem até agora. Vai ser um ano difícil. Os custos estão em alta e não vamos conseguir repassar tudo para os preços. O setor vai ter de reduzir as margens”, afirma Nelson Tranquez, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Bom Retiro.

Tranquez é dono da Loony Jeans, rede de três lojas de atacado e varejo com milhares de clientes-lojistas em todo o país. Para enfrentar este período recessivo, a confecção decidiu investir em venda on-line e ações de marketing por meio de envio de SMS.

“Estamos o tempo todo de alguma forma em contato com lojistas e consumidores para informar sobre promoções. Por exemplo, o lojista que adquire mais de 50 peças obtém 10% de desconto. Itens de pontas de estoque, de coleções mais antigas, também entram em promoção. Estamos sempre em contato com blogueiras, outra forma de divulgar os produtos”, diz Tranquez. A Limelight, que vende roupas no atacado e no varejo, por exemplo, está divulgando algumas peças por meio da blogueira Luiza Hermeto.

Fonte: Diário do Comércio – Fátima Fernandes